Reforma da Previdência: Suspensão indefinida é maléfica para todos
A suspensão por prazo indeterminado da reforma em 19.02.2018, é prejudicial para a Previdência, sobretudo porque a DRU continuará incidindo enquanto a votação não for retomada. Também é maléfica para os servidores públicos porque o déficit bilionário continuará crescendo sem solução.
1. Incidência da DRU está prevista até 2023
A Desvinculação das Receitas da Seguridade Social – DRU, retira para outros fins, 30% das contribuições sociais que constituem as fontes de receita da Previdência, tais como a Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e contribuição para o PIS/Pasep.
Enquanto não for votada a reforma, a DRU continuará prejudicando a Previdência porque a retirada desse percentual alto de 30% está assegurada em lei, de 2016 até 2023 (Emenda Constitucional nº 93/2016). Segundo dados divulgados pelo Tribunal de Contas da União em 21.06.2017, Quadro 17, no ano de 2016, mais de 90% das desvinculações realizadas são dessas três contribuições (66% Confins, CSLL 22% e PIS/Pasep 10%).
2. Previdência dos servidores públicos foi segregada e precisa de solução
Como demonstrado neste blog em 14.02.2018, a Previdência dos Servidores Públicos – RPPS da União foi segregada e tem déficit crescente[1]. Da mesma forma, a Previdência dos servidores – RPPS de sete estados que adotaram a Previdência Complementar também apresenta déficits bilionários, como o Espírito Santo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais, dentre outros[2].
Esses déficits são resultantes de um erro previdenciário histórico: a segregação. É muito fácil entender o ocorrido. A Previdência dos servidores públicos foi instituída originalmente no regime de repartição, ou seja, o total arrecadado (de jovens e idosos) era destinado ao pagamento dos benefícios (aposentadorias e pensões). Em 2012, a União criou a Funpresp (Previdência complementar). Desde então, 63.259 servidores novos foram direcionados para a Funpresp, no regime de acumulação de recursos, de conta individual. A União também passou a depositar nessa conta individual a sua contrapartida (relativamente aos valores acima do teto previdenciário). Como consequência, o sistema antigo ficou privado das contribuições desses milhares de novos servidores e está perecendo devido a essa quebra do "pacto entre gerações" ou pacto intergeracional.
Esse fenômeno é o mesmo causador de déficits bilionários nos fundos de pensão, nos antigos Planos de Benefício Definido-BD, os quais hoje são os mais deficitários do país (Planos BD do Petros, do Postalis, do Economus, do Banrisul, etc.). Nos casos mais graves, o desconto compulsório já chegou na casa dos 40% ao mês para “equacionamento do déficit”. É um desastre sem precedentes.
É certo que no caso do regime próprio - RPPS, por lei, é o ente federativo (União, Estado, distrito Federal e Município) quem responde pelo déficit, como já demonstrado neste blog[3]. No entanto, a situação já está insustentável porque tem funcionários públicos sem receber salários em vários estados brasileiros. É preciso solucionar o problema em regime de urgência, assim como suspender a implantação da Previdência Complementar em todo o país.
3. Prefeitura de São Paulo e o projeto de adoção de Previdência Complementar
A Prefeitura de São Paulo tem um projeto de adoção da Previdência Complementar previsto para março deste ano, como solução para um déficit anterior, que em 2017 foi de R$ 4,6 bilhões[4]. Também está sendo cogitada a elevação das contribuições dos servidores, de 11% para 14%, nos mesmos moldes do RPPS da União (Medida Provisória nº 805 de 30.10.2017).
A julgar pelo ocorrido no restante do país, seguramente essa não é a melhor alternativa. A Previdência Complementar brasileira é insegura, vulnerável e foi aberta à ingerência patronal e política[5]. O sistema tem falhas estruturais graves, como a falta de previsão do destino dos fundos na incorporação e nas privatizações, falhas na fiscalização, dentre outras[6].
O déficit dos fundos de pensão chegou a R$ 77,6 bilhões em 2017, com previsão de acabar os recursos em 17 anos. Só nos últimos 4 (quatro) anos subiu 700%[7]. São mais de 220 fundos deficitários, dos quais a metade está sendo investigada pela Polícia Federal na Operação Greenfield.
CuritibaPrev. Em 20/set/2017, o regime próprio dos servidores da Prefeitura de Curitiba-PR acumulava um déficit de R$ 14,3 bilhões[8]. Foi criada uma fundação municipal denominada CuritibaPrev adotando a Previdência Complementar como solução. Será?
4. Brasil não tem cultura de apuração de déficits
O Brasil não estava preparado para lidar com os regimes previdenciários e muito menos com os déficits bilionários.
Passados 40 anos da implantação do sistema de Previdência Complementar no país começam a emergir as fontes dos déficits, dentre as quais merecem destaque: 1) segregação dos Planos de Benefício Definido-BD; 2) redução ilícita das contribuições do patrocinador; 2) o desvio de verbas para outras finalidades; 3) falta de provisionamento para verbas incomuns; 4) aplicações temerárias; e 5) corrupção, dentre outras.
Na Previdência dos servidores públicos - RPPS os déficits já têm causas distintas como: 1) a segregação pela quebra do pacto intergeracional na implantação da Previdência Complementar; 2) desvio de verbas para outras finalidades - DRU; 3) aposentadorias e pensões dos deputados e senadores após dois mandatos (Lei nº 9.506/97); 4) falta de contribuição dos servidores aposentados, e 5) Falta de contribuição dos estados ou municípios (ente federativo ao qual o sistema está vinculado, dentre outros.
A questão da falta de contribuição dos servidores públicos aposentados merece atenção especial porque no passado a aposentadoria deles era gratuita. Em 1998, a Emenda Constitucional nº 20 estabeleceu o “caráter contributivo” para os servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (artigos 37 e 40 CF/88).
Em 2003, a Emenda 41 da CF/88 estabeleceu a contribuição também dos servidores aposentados (§ 18 do art. 40 da CF). A União cumpriu a lei e exigiu essa contribuição, e o faz até hoje, mas em alguns estados isto não aconteceu e tem milhares de servidores sem contribuir. Provavelmente em alguns municípios essa regra não foi observada, tornando-se fonte de déficit. Não há dados a esse respeito.
5. Sustentabilidade previdenciária em risco aponta Ipea
Em 13/02/2017, o coordenador de Previdência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea, Rogério Nagamine, comentou a Nota Técnica Relação entre Valor dos Benefícios Previdenciários e Massa Salarial dos Trabalhadores Ocupados: implicações para a sustentabilidade previdenciária. Eis os números assustadores da projeção sem reforma da Previdência [9]:
1992: 21,9%
2015: 33%
2040: 50%
2060: 70%
Essa análise do Ipea levou em conta a situação na época e, mesmo não identificando a causa, previu o efeito futuro do déficit previdenciário brasileiro. Hoje, sabemos que essa causa é a segregação da Previdência dos servidores Públicos - RPPS, fenômeno ocorrido em todos os níveis de governo (federal, estadual, Distrito Federal e municipal.
É interessante observar que o funcionalismo público tem hoje essa contribuição de 33% (11% do servidor e 22% da Administração Pública), mas já se mostra insuficiente. Prova dessa insuficiência é a MP 805 de novembro/2017, que elevou em 3% a contribuição dos servidores da União no final de 2017 (de 11% para 14%).
6. Estados e municípios estão entre os maiores devedores da Previdência
Vários estados, municípios e mais de 50 órgãos públicos estão na lista dos 500 maiores devedores da Previdência. No final de 2017, havia cinco estados e 15 municípios na lista. A dívida das cidades era de R$ 75 bilhões [10].
É preciso apurar as causas do déficit e saná-las o quanto antes, cessando a fonte dos desfalques nas contas da Previdência. É chegado o momento de tratar com dignidade o direito fundamental aposentadoria e seu complemento. Essa mudança norteará a escolha do futuro Presidente da República nas eleições deste ano.
Atualizado em 25.02.2018.
[1] CASTANHEIRA, Fátima Diniz. Setor público da União – RPPS foi segregado e tem déficit bilionário crescente. Blog Idade com dignidade, São Paulo, 14.02.2018. Disponível em: https://www.idadecomdignidade.com.br/single-post/2018/02/14/Reforma-da-Previd%C3%AAncia-Setor-p%C3%BAblico-da-Uni%C3%A3o-%E2%80%93-RPPS-foi-segregado-e-tem-d%C3%A9ficit-bilion%C3%A1rio-crescente
[2] Crise financeira dos estados é resultado do maior erro previdenciário de todos os tempos. Blog Idade com dignidade, São Paulo, 16/fev/2018. Disponível em: https://www.idadecomdignidade.com.br/single-post/2018/02/16/Crise-financeira-dos-estados-%C3%A9-resultado-do-maior-erro-previdenci%C3%A1rio-de-todos-os-tempos
[3] Reforma da Previdência. União responderá pelo déficit do RPPS dos servidores federais. Blog Idade com dignidade, 14.02.2018. Disponível em:
[4] PINTO, Ana Estela de Souza; SETO, G. Déficit da Previdência de SP se espalha como câncer, diz secretário de Doria. Folha. Uol, São Paulo, 30/jan/2018. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/01/1954252-deficit-da-previdencia-de-sp-se-espalha-como-cancer-diz-gestao-doria.shtml Acesso em 01.02.2018
[5] Ingerência patronal e política está destruindo os fundos de pensão (Parte 2). Blog Idade com dignidade, 13/nov/2017. Disponível em: https://www.idadecomdignidade.com.br/single-post/2017/11/13/Inger%C3%AAncia-patronal-e-pol%C3%ADtica-est%C3%A1-destruindo-os-fundos-de-pens%C3%A3o-Parte-2
[6] Falhas estruturais dos fundos de pensão. Blog Idade com dignidade, São Paulo,16/out/2017. Disponível em: https://www.idadecomdignidade.com.br/single-post/2017/10/16/Falhas-estruturais-do-sistema-de-fundos-de-pens%C3%A3o-1
[7] Déficits dos fundos de pensão não param de crescer. Blog Idade com dignidade, São Paulo, 11/out/2017. Disponível em: https://www.idadecomdignidade.com.br/single-post/2017/10/11/D%C3%A9ficits-dos-fundos-de-pens%C3%A3o-n%C3%A3o-param-de-crescer
[8] Câmara aprova previdência pioneira no país para servidores municipais, Curitiba. PR, 20/set/2017. disponível em: http://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/camara-aprova-previdencia-pioneira-no-pais-para-servidores-municipais/43465
[9] Coordenador do Ipea comenta os riscos para as gerações futuras sem a reforma da Previdência. Ipea, 13/fev/2017. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=29411
[10] BALZA, Guilherme. Estados, municípios e órgãos públicos estão entre os maiores devedores do INSS. CBN.Globo, em 20/set/2017. Disponível em:
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