Democracia brasileira é incompleta: falta harmonia entre os Poderes Legislativo e Executivo
É certo que existe eleição direta no Brasil, mas é igualmente certo que falta harmonia entres os Poderes da República, sobretudo no trato dos direitos fundamentais – aposentadoria e saúde. O Brasil comemorou 30 anos da Constituição em 05.10.2018, mas no capítulo dos direitos sociais não há muito a comemorar. Pelo contrário, o país precisa de mudanças profundas para cumprir as determinações constitucionais. Eis a previsão legal:
Constituição Federal/88:
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Em que pese o fato de os Poderes serem independentes, devem ser harmônicos entre si, e aí está a falha: o povo não tem o poder inerente à democracia. O poder legislativo, movido pelo lobby, está aprovando leis prejudiciais, tanto para o cidadão quanto para o país.
Dentre essas anomalias legislativas ocorridas no Brasil, destacamos:
I - Renúncias e isenções em prejuízo da Previdência. Aprovaram renúncias e isenções previdenciárias. Prejudicaram a Previdência, deixando-a sem recursos para pagar a aposentadoria – direito fundamental do povo brasileiro;
II - PEC dos gastos públicos - Emenda Constitucional 95/2016. Limita o gasto com os direitos fundamentais – Previdência e Saúde, sem sanar as fontes do déficit público;
III - PEC 287-A/2016 - entrega o controle dos fundos de pensão para os banqueiros. Tramita um Projeto de Lei que retira o controle dos fundos de pensão das mãos dos trabalhadores e o entrega aos banqueiros;
IV - Desoneração da folha de pagamento. A desoneração, iniciada em 2011, permitiu que empresas passassem a pagar a contribuição sobre a receita e não sobre a folha de pagamento. Não houve a contrapartida esperada, ou seja, não aconteceu a redução do desemprego;
V - Perdão de dívidas bilionárias como no caso da OI. O perdão da dívida, em prejuízo do país, só não concretizado porque foi denunciado pela mídia;
VI - Aprovação da reforma trabalhista – Lei nº 13.467/2015. Implantou a precarização e a indignidade do trabalho a pretexto de gerar emprego. A aprovação dessa lei dividiu a Justiça do Trabalho ao meio. De um lado, parte do Tribunal Superior do Trabalho – TST aprovava, e de outro a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - Anamatra desaprovava[1].
VII - Aprovação da terceirização – Lei 13.429/2017. A terceirização é prejudicial à Administração Pública por quebrar o pacto intergeracional do Regime Próprio – RPPS dos servidores. Os terceirizados não contribuem para o RPPS, uma vez que a empresa para a qual trabalham (quase sempre a preço vil), é vinculada ao INSS;
VIII - Projeto de lei impondo desconto de 25% ao funcionalismo público - PLS 395/2017. Esse Projeto de lei impunha o desconto de 25% de todos os servidores públicos (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) para cobrir déficit da Previdência. Depois de enfrentado pelos servidores e divulgado neste blog e no jornal Carta Forense, o PLS foi arquivado pelo próprio autor[2].
IX - Proibição da venda de produtos orgânicos (saudáveis) - PL 4576/2016. Não tem qualquer fundamento a proibição de venda de produtos orgânicos pelos supermercados. Além de saudáveis, os produtos orgânicos são mais duráveis. Nota-se que os parlamentares votam sem interesse algum para com a saúde do povo, sem se preocupar com a precariedade da saúde pública. O SUS já está sobrecarregado com a demissão em massa de milhares de trabalhadores.
X – Pacote do veneno – PL 6299/2002. Aprovação de Projeto de Lei permitindo a comercialização de agrotóxicos prejudiciais à saúde da população. Veja-se a respeito a manifestação contrária do Promotor de Justiça do Rio Grande do Sul, Dr. Eduardo Coral Viegas no artigo intitulado Os danos potenciais com a aprovação do "PL do Veneno"[3].
IX - PLC 68/2018 do distrato – a perda de até 50% do valor pago pelo imóvel. Esse PLC, com tramitação rápida, é uma afronta à jurisprudência consolidada do STJ e também ao povo brasileiro. É uma afronta, sobretudo agora quando o desemprego atingiu mais de 13 milhões de trabalhadores, subtraindo deles a possibilidade de honrar os compromissos assumidos contratualmente.
O Deputado Celso Russomano, autor do PL 1220/15 original, seguiu a jurisprudência prevendo a retenção de apenas 10%. No entanto, o deputado José Stédile a aumentou para 25% e, em caso de patrimônio de afetação para 50%, com devolução só após a conclusão da obra[4].
O PL valorizou o direito coletivo dos demais compradores em detrimento do direito individual de quem perdeu a condição de honrar o contrato firmado, seja por desemprego ou por onerosidade excessiva. Ora, o incorporador que inicia a construção de um edifício deve ter recursos próprios ou de financiamento para concluir a obra.
Além disso, a jurisprudência do STJ está consolidada no sentido de que a devolução há de ser imediata. E mais: só pode haver cobrança de corretagem quando esta está expressa no contrato e integra o valor do imóvel. Portanto, a cobrança não é regra, mas sim exceção.
Esse PL é fruto do poderoso lobby das construtoras porque havia dois projetos de lei simultâneos, um no Senado Federal – PLS 774/2015 e outro na Câmara dos Deputados - o supracitado PL 1220/15, ambos com o mesmo objeto.
Por fim, merece crítica a terminologia empregada porque a resolução do contrato por insuportabilidade da obrigação, pedida unilateralmente pelo comprador, não pode ser confundida com a desistência (sem motivo), e muito menos com o distrato que é acordo bilateral de vontades.
Esse modo anômalo de legislar é um retrocesso social muito grande porque no século passado o Estado se preocupava com a saúde dos seus servidores, seja custeando parte de um plano de saúde suplementar, seja ofertando a eles o próprio hospital, com toda a infraestrutura. Em São Paulo ainda existem dois grandes complexos hospitalares remanescentes dessa época, como testemunhas desse tratamento digno: o Hospital do Servidor Público (Estadual) na Rua Pedro de Toledo, 1800, na Vila Mariana e o Hospital do Servidor Público Municipal na Rua Castro Alves, esquina com Rua Vergueiro, na Liberdade.
Além disso, as estatais garantiam menor taxa de juros de modo a facilitar ao servidor a aquisição da casa própria. Com a demissão em massa, essas taxas foram elevadas e, sem renda para pagar as prestações, os servidores foram obrigados a rescindir o contrato, perdendo o imóvel e parte substancial das prestações pagas, incluindo recursos do FGTS usados para pagamento. Hoje a medida é o lucro e nada mais.
1. Quebra da lei da oferta e da procura
A demissão em massa aumentou a fila do desemprego, atingindo 13 milhões de trabalhadores. Sem renda, os desempregados e seus dependentes pararam de consumir, limitando-se às despesas para a subsistência. Essa crise sem precedentes, quebrou a lei oferta e da procura, espinha dorsal de qualquer economia.
A demissão em massa nas estatais quebrou a classe média, que ficou privada da renda para honrar os compromissos assumidos. Na fila dos 13 milhões de demitidos, o desempregado não compra mais carro nem imóvel, limitando-se a viver do trabalho informal, conhecido como “bico”. Ficou privado também da saúde suplementar que era bancada em parte pelas estatais.
A crise quebrou também as classes mais abastadas porque as empresas foram fechando e os imóveis ficando desalugados. Quem passa pelas grandes avenidas de São Paulo como a Avenida Rebouças e a Pacaembu pode comprovar a enorme quantidade de mansões totalmente pichadas, com placas de locação ou venda. Os proprietários, além de perder a rendas dos locativos, pagam pesado IPTU.
2. O recado das urnas
Nas eleições de 2018, houve inequívoca mudança de comportamento do povo brasileiro em não reeleger parlamentares envolvidos com a corrupção, nem seus descendentes. Tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado Federal foram renovados com uma multiplicidade de partidos. Esse fato, longe de representar um ponto negativo, demonstra os efeitos da verdadeira democracia.
A esperança é que o novo Presidente do Brasil, o novo Presidente do Senado e da Câmara dos Deputados, possam dialogar, restabelecendo a harmonia entre os poderes. Os parlamentares devem considerar, acima de tudo os interesses do povo que os elegeu. Que votem leis benéficas para o povo e também para o país, restabelecendo a verdadeira democracia.
[1] Reforma trabalhista favorece contratos precários, afirma Anamatra. TRT20, 09/maio/2018. Disponível em: https://www.trt20.jus.br/10-noticias/9578-reforma-trabalhista-favorece-contratos-precarios-afirma-anamatra Acesso em 09.05.2018.
[2] CASTANHEIRA, Fátima Diniz. Funcionalismo público derrubou desconto de 22% para cobrir déficit da Previdência. Blog idade com dignidade.com.br,16/maio/2018. Disponível em https://www.idadecomdignidade.com.br/single-post/2018/05/16/Funcionalismo-p%C3%BAblico-derrubou-desconto-de-22-para-cobrir-d%C3%A9ficit-da-Previd%C3%AAncia
Projeto de Lei do Senado n° 395, de 2017. Senado. Andamento disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/131281
[3] VIEGAS, Eduardo. Os danos potenciais com a aprovação do "PL do Veneno". Conjur, 21/jul/2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-jul-21/ambiente-juridico-danos-potenciais-aprovacao-pl-veneno Acesso em 23 de julho.2018.
[4] José Stédile não foi reeleito em 2018.
Pesquisa registrada. Todos os direitos reservados da autora.
Fica expressamente proibido o uso do conteúdo deste blog sem prévia autorização.